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André Pomponet

Crônica temerária (II)

André Pomponet - 28 de Setembro de 2016 | 18h 11
Crônica temerária (II)

Parece que, nos próximos meses, pretende-se revogar esse negócio de aposentadoria, de direito a ócio remunerado no fim da vida. É o que se deduz com base nas propostas que estão sendo urdidas lá no Planalto Central, em Brasília, pelo controverso presidente Michel Temer e sua equipe. Pelo que noticia a imprensa, aposentadoria, para os mais jovens, só a partir dos 65 anos; mas com valor integral só com inacreditáveis 50 anos de contribuição.

Alguém na temerária Brasília deve ter descoberto que aposentadoria é coisa de comunista, de subversivo, de malandro, de vagabundo, de quem não gosta de trabalhar. Daí resolveram revogar esse inadmissível privilégio com um expediente sorrateiro: estabelecem-se pisos altíssimos demais, para que apenas uns poucos privilegiados consigam alcançá-lo. Mas, evidentemente, cobra-se de todo mundo, é claro.

Quando criança, na década de 1980, espantava-me andar pela Feira de Santana e me deparar com incontáveis idosos desvalidos, pedindo esmola, sem um mínimo de dignidade no fim da vida. Caso a temerária reforma da Previdência prospere, voltaremos àquela época em um par de décadas, no máximo. Pior: com muito mais idosos perambulando pelas ruas.

Na era da informalidade desenfreada, do renitente subemprego, do desemprego crônico e da terceirização voraz, exigir idade mínima de 65 anos, com pelo menos 25 anos de contribuição e outros 50 anos para ter acesso à aposentadoria integral – normalmente, com valores irrisórios – é tramar um genocídio contra os futuros idosos brasileiros. Sobretudo contra a base da pirâmide social, os brasileiros mais pobres, que se dedicam à labuta mais pesada.

Quem não atender essas exigências, provavelmente, vai vegetar à míngua, à espera de improváveis benefícios sociais, triste mendicante no fim da vida. Apesar da contumaz letargia coletiva que caracteriza a conduta política dos brasileiros, é improvável que a reforma traiçoeira seja aprovada sem reações. Mesmo com o nocivo Congresso Nacional que vota conforme o que se regateia no balcão.

O Brasil atravessa uma quadra insana, de conservadorismo extremado. Nela, visa-se revogar os mais elementares direitos dos trabalhadores, empunhando-se os rótulos da “modernização” e da “flexibilização”. Por enquanto, esse discurso reverbera sem o contraditório, prevalecendo a versão governista. Pois bem: caso quem trabalha não acorde, lá adiante, quando essas regras draconianas começarem a produzir efeitos, poderá ser tarde demais.



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