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André Pomponet

Foi a China que globalizou a Feira de Santana

André Pomponet - 29 de Março de 2019 | 18h 25
Foi a China que globalizou a Feira de Santana

Há cerca de um quarto de século – lá na primeira metade dos anos 1990 – a chamada globalização começou a ganhar espaço no noticiário. Dizia-se, à época, que o processo era irreversível; que todos os países seriam forçados a abrir seus mercados, caso não desejassem ficar para trás no renhido embate econômico; quem entrasse no jogo, em pouco tempo, desfrutaria dos benefícios da integração econômica, da otimização de recursos inerente ao intercâmbio comercial.

Nas vitrines das livrarias, acumulavam-se volumes exaltando a globalização. Segundo seus profetas, a humanidade estava às vésperas de ingressar numa inédita era de vertiginosa prosperidade material. Mas era preciso correr, para não perder nenhum naco dessa farra consumista.

Na virada do século, essa crença sofreu seus primeiros arranhões. O principal deles veio com o islamismo radical e seus atentados, sobretudo aqueles de 11 de setembro de 2001. Restabelecia-se a imemorial dicotomia entre Ocidente e Oriente. Mais um pouco e veio a abissal crise econômica mundial em 2008, que expôs os derrotados pela globalização – trabalhadores com baixa qualificação, inclusive nos países desenvolvidos – e a elevação da pobreza e da desigualdade.

Miseráveis dormindo nas ruas não era mais exclusividade da instável América Latina, da África sofrida ou do conturbado continente asiático. Contrariando os prognósticos otimistas, a globalização começou a fraquejar. Estão aí, pelo mundo, líderes com discursos protecionistas; a xenofobia e o racismo crescendo; o ódio temperando as relações políticas mundo afora, inclusive no Brasil. Tudo na contramão da globalização.

E a globalização?

Mas a globalização não fracassou integralmente. Economias, em alguma medida, se tornaram mais abertas e houve uma reconfiguração importante a partir da derrocada do socialismo real no Leste da Europa e, sobretudo, da ascensão da China. Ironicamente, quem irradiou a globalização – não a globalização dos financistas, mas uma com feição diversa, voltada para atender as demandas de consumo dos pobres pelo mundo afora – foi a China, a controversa nação comunista do oriente.

Essa face da globalização, que disseminou produtos industrializados baratos com baixo valor agregado e preços acessíveis para os mais pobres, alcançou boa parte do mundo. Os chineses, com seu capital e seus produtos espalharam-se pelo mundo todo. Estão na sofisticada Paris, na cosmopolita Nova Iorque, mas, sobretudo, nas megalópoles, grandes e médias cidades do mundo todo, particularmente da América Latina.

Nas últimas décadas os chineses alavancaram os centros de comércio popular pelo Brasil inteiro. São fornecedores, também, de quem se aventura como ambulante nos terminais de ônibus, nas ruas apertadas dos centros de cidade, nas feiras-livres, nas galerias estreitas das pequenas cidades.

E em Feira?

Feira de Santana, obviamente, não ia permanecer à margem desse processo. Aqui há décadas funciona o Feiraguai, o maior entreposto do gênero na Bahia. Vias estreitas, abarrotadas, parafernália eletrônica em mostruário, rostos orientais nos balcões – chineses e coreanos – e muita disposição para mercadejar, fazer a mercadoria circular. Mas pelas principais artérias comerciais – Sales Barbosa, Senhor dos Passos, Marechal Deodoro – também se veem produtos idênticos em mostruários similares.

Nesse aspecto, a paisagem do centro da Feira de Santana aproxima-se do fervilhante Saara no centro antigo do Rio de Janeiro; do Brás, do Bom Retiro e da região da 25 de Março no centro de São Paulo; e até de camelódromos existentes em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e em Florianópolis, em Santa Catarina, com suas famosas barracas padronizadas e produtos tão familiares.

Quanto esse comércio febril movimenta? É difícil dizer. Mas basta circular por esses espaços para se perceber que uma aspiração da globalização foi alcançada: os produtos são homogêneos, as estratégias de comercialização são idênticas e até os atores envolvidos nessa faina são semelhantes, mundo afora. É a globalização. Uma globalização focada no consumidor pobre é verdade, mas globalização.

A Feira de Santana se globalizou. Foi a China que globalizou a Feira de Santana.



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