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Sem terra, agricultores plantam na beira da estrada

Batista Cruz - 11 de Junho de 2015 | 08h 38

Nas margens das rodovias são cultivados feijões, tomates, milhos, abóboras, entre outros

Sem terra, agricultores plantam na beira da estrada
Entre a cerca do fazendeiro e a Estrada do Feijão, Estelita e Maria cultivam a parte que lhes cabe (foto: Sílvio Tito)
A terra tá “bobada”. No rico dialeto, e não gíria, rural, significa que a terra está encharcada, temporariamente imprópria para o plantio. A situação do terreno foi constatada pela agricultora Estelita Lopes, enquanto jogava três sementes de quiabo nas covas abertas pela amiga Maria Vitória Silva Santos. Elas e vários outros agricultores que moram no povoado Vila de São José, localizando no início da BA 052, a Estrada do Feijão no distrito de Governador João Durval Carneiro, não tem um palmo de terra para deixar como herança, mas em ano bom de chuva fazem seus roçados nas terras férteis e escuras às margens da rodovia.
 
Nestes pequenos terrenos são formadas roças onde vicejam feijão, tomate, milho, abóbora, jerimum, entre outras culturas de ciclo rápido. Os agricultores rapidamente correm as enxadas no mato, limpam o terreno para aproveitar o inverno. Nos espaços sem cerca, os limites são imaginários mas respeitados pelos agricultores, que fazem seus plantios de subsistência. Lá para agosto, ou antes, farão a festa da colheita. Consomem e vendem parte às margens da rodovia, em tendas rudimentares. Os clientes são os viajantes.
 
Do que fica em casa, o milho vira comida para as galinhas, que também são fonte de proteína animal e de renda – além da carne, o ovo pode ser levado à mesa ou ao mercado. “No ano passado colhi quatro sacas de feijão”, comenta Antônio Carlos Lopes, dono de duas roças, que planta há mais de 15 anos nas terras às margens da rodovia. “Dei parte para os filhos e guardei a outra em garrafas de plástico. Assim o feijão durou até o final do ano, sem problemas”.
 
Entretanto, as plantações são proibidas por lei. Qualquer atividade às margens de uma rodovia, seja ela estadual ou federal, deve respeitar o limite de 40 metros, em cada lado da pista, a partir do eixo central.
 
Estas roças, entre a cerca das fazendas e a estrada, invadem este limite mas não colocam em perigo os motoristas, porque não interferem na visibilidade. “Não é desrespeito não, moço, é necessidade, mesmo”, explica Antônio Carlos.
 
Os moradores do povoado não têm onde plantar e aproveitam a única terra ociosa disponível.
 
“A gente é bereiro”, diz Maria Vitória, para explicar que moram às margens da rodovia. Seria o mesmo que ribeirinho ou barranqueiro, para quem mora às margens de um rio.
 
Depois é esperar que as chuvas caiam regularmente.
 
“Os fazendeiros daqui não abrem suas cancelas para a gente cultivar a terra”, lamenta Estelita, que há oito anos faz seus plantios quando o tempo ajuda.
 
Neste ano está sendo diferente. Como as chuvas estão “embriagando” a terra, torcem para que São Pedro dê uma parada de alguns dias para que o terreno fique úmido, e ganhe as condições ideais.
 
Ricardo Brito é tido como um dos agricultores que mais ocupam as marginais da rodovia com roças. Neste ano promete plantar 14 quilos de feijão, uma boa quantidade de milho, mais jerimum, tomate, pimenta, entre outras culturas. É outro que reclama da situação da terra em volta do povoado. Mas não perdeu tempo com lamúrias e resolveu pegar a enxada. Antes, mandou arar o terreno, serviço feito pelos tratores da prefeitura. Disse que este ano preferiu não esperar. O terreno que ocupa já está plantado. No ano passado fez uma colheita excelente. “Este feijão que tô usando como semente foi colhido no ano passado”.
 
A sogra,  Maria Brito da Paixão e uma cunhada, Lúcia da Paixão, ajudam. Aos 82 anos, dona Maria era uma das mais animadas. “Planto desde muito pequena e sei que vou continuar aqui na roça. E isto é muito bom para todo mundo”. Do outro lado da rodovia o milho e o feijão crescem. Aboboreiras e melancieiras estão verdes, dando sinais de que dentro de pouco tempo começam a florir.
 
Roberto Pereira, concunhado de Ricardo, limpa e reforça a raiz das plantas com pequenos montes de terra, para garantir que crescerão sem problemas. “Será a última limpeza de mato, porque dentro de mais algumas semanas as flores começam a aparecer”.
 
Plantar as margens da rodovia garante dinheiro extra e comida dentro de casa. O mesmo se via nas margens da BR 116, entre Antônio Cardoso e Santo Estevão, antes da duplicação da pista, que ocupou a terra disponível.
 
O milho é o principal alvo de cobiça dos motoristas que passam pela estrada à noite, quando ninguém está tomando conta. Os agricultores já estão acostumados ao ataque. “O que a gente planta dá para suportar estas visitas”, conforma-se Ricardo, com uma ressalva: “Às vezes eles pegam uma melancia ainda verde e jogam no meio da pista. Disso a gente não gosta”.
 
Outro inimigo são as cobras. Como o terreno tem muitas pedras, dizem que é comum o aparecimento de serpentes, principalmente cascavéis.
 
É se livrando dos saques e das cobras que estes agricultores sem terra, mas com uma vontade danada de trabalhar, ganham suas safras. Quando o tempo ajuda, a panela fica cheia e a festa é garantida.


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