Todo fenômeno, ou tragédia duradoura, conduz o humano a uma adaptação à situação, para que a normalidade da alma humana sobreviva. A imperiosa e irresistível necessidade da vida normal nos conduz a isso por caminhos diversos, sendo que dois desses mecanismos são a " normalização" do fato e a indiferença.
Estamos vendo isso com a Covid-19. A longa, persistente, repetição dos números de casos e mortos vai retirando das pessoas, o choque, o espanto, o medo, fazendo com que elas passem a tornar aquilo um ambiente em que a vida normal segue adiante, apesar de sua existência. Como o sol para os que habitam o deserto, ou o gelo, para os que habitam os polos. É a " normalização" do anormal.
Por outro lado, se os número iniciais nos espantavam e nos levavam a vigiar diariamente seu crescimento, a partir de determinado ponto, determinada grandeza, ele perde seu poder de impacto. Os 100 mil mortos, uma marca simbólica, ao ser ultrapassada produziu esse efeito. Já há muita gente que não vigia mais os números, que está ficando indiferente a seu crescimento. Não é mais a Covid-19, suas mortes sem luto, sua rotineira repetição, que domina a sociedade, nesse momento, mas as estratégias de retomada da vida normal, como se normal ela fosse. Isso traz o risco de redução do cuidado, queda da vigilância , cobrança aos governos.
É preciso flexibilizar, mas não normalizarmos o avesso para que mantenhamos os cuidados, pois, como diz Guimarães Rosa, a vida é perigosa é na travessia.