No balcão da padaria, o sujeito dedicava-se ao café e a desancar o Governo Lula. Para ele, todas as desgraças profetizadas estão se confirmando. A dissolução dos costumes está escancarada, visível; a violência cresce vertiginosamente e o “petê” é leniente com os criminosos; a economia, em frangalhos, flerta com a hiperinflação; o cidadão verga, sob os impostos abusivos; lá fora, ninguém respeita o Brasil.
– É o comunismo! – Emendou, por fim, olhando para o
balconista que passava flanela no balcão e para os poucos clientes que se
dispersavam pelas mesas, no meio da manhã. Lá fora, a avenida movimentada, de
veículos e pedestres.
– O senhor fala inglês? – Atalhei. O rosto dele expressou
certa surpresa, com a pergunta inesperada.
– Por quê? – Rebateu.
Observei que, no futuro, o mundo será dos conservadores.
Veja-se a apoteótica vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos. Guia mundial
– interplanetário, talvez –, o presidente norte-americano vai impor seus
elevados valores ao planeta inteiro. Cabe a nós, brasileiros, submeter-mo-nos.
Ou não somos patriotas? O problema é que todo mundo terá que aprender a falar
inglês.
– Pelo menos gaguejar em inglês, já é alguma coisa –
Reforcei.
O sujeito, renitente, examinou-me o semblante. Creio que
notou uma pitoresca tranquilidade. Nenhuma expressão de galhofa. Com boa
vontade, talvez se notasse um talhe patriótico, conservador. Bom não
conceder-lhe trégua:
– Quando Trump fala “América primeiro”, ele está certo. Somos
inferiores. Indiscutivelmente inferiores. Então, temos que aceitar as ordens,
sem dúvida ou contestação!
O sujeito ensaiou uma discordância tímida. Talvez, enxergasse
exagero em afirmação tão contundente. Creio que até ficou na dúvida se era
deboche ou não. “O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil. Não
podemos esquecer desta sábia lição”, emendei.
Murmurou algo sobre “patriotismo”, “soberania”, “forças
armadas”, mas não foi adiante. Preparava-se para deixar o ambiente.
– Acho que, agora, só falta ao Brasil um Elon Musk.
Precisamos de um Elon Musk. Não temos alguém como ele, por aqui, mas precisamos
descobrir. Talvez, o jeito seja ele mandar o sub do sub do sub pra cá. O que o
senhor acha?
Aí, ele lembrou do “sub do sub do sub” do primeiro mandato de
Lula e abespinhou-se. Percebeu, finalmente, que era pilhéria. Saiu injuriado,
murmurando entredentes: “esses comunistas”. Ganhou a avenida, perdeu-se na
multidão.
Apesar dele, a manhã de sol de verão era magnífica.