O garoto deve ter 11, talvez 12 anos. Na mesa do restaurante em frente à enseada de Botafogo, lá no Rio de Janeiro, comia silenciosamente. Nem recorria à mesa para apoiar a marmita de isopor: sustentava-a com uma das mãos, enquanto com a outra manuseava o garfo de plástico, revolvendo o feijão preto, o macarrão, o arroz. Ao seu lado, sobre a mesa, uma caixa pequena com gomas de mascar, coloridas. Deduzi que mercadeja o produto pelas ruas agitadas da zona sul da capital carioca.
Enquanto mastigava, lançava o olhar meio perdido à distância,
em distração. Distração ou reflexão? O olhar sem foco emprestava-lhe uma
expressão adulta, de quem pensa na vida nos intervalos da labuta estafante. No
fundo, era adulto. O corpo magro e o rosto infantil contradiziam a constatação.
Mas a rotina feroz pelas ruas da cidade, as preocupações com o próprio
sustento, o gesto adulto de sentar sozinho num restaurante e comer, a própria
expressão sisuda, tudo o empurrava para o mundo dos adultos.
Antigamente, o trabalho precoce era o destino natural dos
filhos dos mais pobres. Logo cedo, muitos abandonavam a escola e abraçavam
tarefas miúdas, como ajudantes em borracharias, oficinas mecânicas, gráficas;
outros vendiam picolés e sorvetes empurrando carrinhos, tornavam-se feirantes
precoces, executavam tarefas secundárias em pequenas fábricas.
Quem persistia na escola, penava. Normalmente estudava à
noite, compartilhando cadeiras escolares com colegas adultos. A sofrível
qualidade do ensino freava parte de suas aspirações. O cansaço também fazia sua
parte, apesar da vitalidade juvenil, comum à idade. Tempos depois, a maioria
engordava as estatísticas dos brasileiros que não conseguiram concluir, sequer,
o ensino fundamental.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, teve o
mérito de despertar a sociedade para a trágica situação de milhões de crianças
e adolescentes Brasil afora. Também contribuiu para que deixassem de ser
tratados como adultos, o que normalizava sua precoce entrada no mercado de
trabalho. E, sem dúvida, muitas políticas focadas em crianças e adolescentes
reduziram sua vulnerabilidade ao longo das últimas décadas.
Mas o trabalho infantil persiste, silencioso, Brasil afora.
Aqui na Feira de Santana, também. Não é incomum ver meninos, meninas, vendendo
doces, chicletes, balas, lavando carros pelas ruas, lavando pára-brisas nos
semáforos.
Segunda-feira, na Rua Comandante Almiro, dois deles seguiam
em bicicletas com seus baldes e esponjas. Numa esquina, provocaram outro que se
aventurava com doces em uma caixa, abordando transeuntes. Subitamente houve uma
curta discussão, palavrões, o que vendia os doces indignou-se, arremessou uma
pedra nos que já iam longe, com suas bicicletas.
O ar deles lembrava o do garoto carioca. Apesar de meninos,
ostentavam feições adultas, um ar de independência que, talvez, os reduza à
condição de prisioneiros quando a idade adulta, de fato, chegar…