É salutar a discussão sobre a mudança do período da Micareta. Há quem defenda – há muitos anos – que a festa seja realizada no segundo semestre. Estaria mais próxima do verão, sem o risco de chuvas frequentes e, o que é melhor, se encaixaria na temporada pré-carnavalesca, atraindo as grandes estrelas da música baiana e, quem sabe, despertando a atenção de parte dos milhares de turistas que, no período, desembarcam na Bahia.
A folia feirense também se resguardaria da errática semana
carnavalesca. Quando o Carnaval acontece no começo de fevereiro, beleza: há
folga no calendário para encaixar a Micareta em abril, logo após as celebrações
da Semana Santa. Mas, às vezes, o reinado do Momo termina em março, empurrando
a Micareta para meados de abril ou até mesmo para o começo de maio, quando as
chuvas se intensificam. Foi o que aconteceu agora, em 2025.
A própria Semana Santa é um obstáculo considerável para a
realização da Micareta em abril. Afinal, os clérigos e parte dos católicos
nunca viram com bons olhos o profano festejo feirense. É claro que a Micareta
nunca ocorre na Quaresma. Mas aquelas festas pré-micaretescas de outrora, tão
badaladas, perderam fôlego por conta das tradições religiosas. Com o fim
daquelas, a Micareta perdeu parte do seu ímpeto.
Mas há, também, uma questão pouco discutida, mas latente
pelas ruas. É a sobreposição da Micareta com os festejos juninos. No Recôncavo,
já em abril, o clima de São João se estabelece. Por lá, vive-se intensamente a
tradição. Aqui o feirense divide-se entre o forró e o axé, num dilacerante
dilema que o impede de curtir plenamente as duas festas. Deslocar a Micareta
para o segundo semestre é uma alternativa.
É bom lembrar que, nas últimas décadas, o São João deixou de
ser uma festa familiar, com as pessoas em volta das fogueiras. Em muitas
cidades tornou-se superprodução, mobilizando gente e gerando muita renda. Na
Feira de Santana, inclusive, há um anseio por festas juninas mais robustas. A
questão é que é impossível organizar dois grandes festejos num intervalo tão
curto.
Por fim, é fundamental lembrar que a simples mudança de data
não vai redimir a Micareta feirense. Como é hoje, com a festa restrita a
praticamente dois dias, quase sem festas pré-micaretescas e pouco
profissionalizada, vai acontecer apenas o deslocamento do problema no
calendário. A solução, portanto, vai além da mera questão de uma data.
Mas a discussão sobre a Micareta – com todos os seus dilemas apontados – é muito bem-vinda. Que esses debates sejam transparentes e que se tomem decisões otimizadoras.
Sempre passo, ali, em frente ao prédio da antiga Biblioteca Municipal. Envidraçaram-na, poliram-na, embelezaram-na, mas nada da obra ser entregue. Lá se vão muitos anos, desde que tapumes de madeirite a cercaram. Foi antes da pandemia da Covid-19.
O sol, as chuvas, dias e noites foram deteriorando os tapumes
e nada da obra andar. Pelo contrário, a pandemia também provocou a suspensão da
reforma. Sob o fantasma do coronavírus, as manhãs e tardes, por ali, eram
melancólicas. Ruído, só o do vento sacudindo as copas das palmeiras.
Assim, as novas gerações de estudantes não conhecem a
Biblioteca Municipal. Jamais tiveram a oportunidade de avançar por seus espaços
amplos e, lá dentro, manter contato com os livros. Mesmo que apenas com os
didáticos, para aquelas pesquisas de praxe. Quase toda relação mais profunda
com a leitura começa, a propósito, por meio desta iniciação.
Há quem alegue que, com todos os avanços tecnológicos,
manusear livro de papel, escrever à mão, desenvolver a caligrafia são coisas do
passado. A onda, hoje, é tudo digital.
Não sou teórico ou profissional da educação, mas tomo a
liberdade de discordar. Aliás, até defendo que os excessos tecnológicos
emburrecem e empobrecem. O ódio que viceja nas chamadas mídias digitais
demonstra.
Enfim, o parágrafo anterior foi desperdiçado com uma
digressão dispensável. Retomo: a Feira de Santana precisa de sua Biblioteca
Municipal reaberta, recebendo gente, acolhendo as diversas manifestações artísticas
da Princesa do Sertão.
Mais do que um amontoado de prateleiras que abrigam livros
que acumulam poeira, a Biblioteca Municipal precisa se tornar um espaço
atrativo para a cultura feirense, com pequenas exposições e intervenções
artísticas.
Aliás, pouca gente percebe, mas aquele trecho inicial da Rua
Geminiano Costa poderia se tornar um ativo polo cultural para a Feira de
Santana. Quase ao lado da Biblioteca Municipal, há o Museu de Arte
Contemporânea.
Há pouco tempo, foi instalada, bem perto, a Secretaria
Municipal de Educação, no antigo Feira Tênis Clube, que pode dar suporte e
ajudar a alavancar a cultura local. Nem tão longe está a esquecida e abandonada
Praça do Fórum. É outro logradouro que pode abrigar apresentações artísticas.
Não faltará quem diga que é devaneio, delírio, pensar nessas
coisas na Cidade Comercial de Feira de Santana. Cultura, por aqui, é coisa de
utópicos e sonhadores, adverte a gente sisuda. Até aqui, isso não deixa de ser
verdade. Mas foram esses utópicos e sonhadores que lançaram as sementes de uma
Princesa do Sertão artística, culta, letrada. Muitos frutos, vistosos, são
visíveis.
Mas nada impede que mais gente – e mais iniciativas –
somem-se, contribuindo para a construção de uma Feira de Santana culturalmente
vibrante. Nesse processo, o papel dos órgãos públicos é fundamental. Muito já
existe aí, germinando. Basta dialogar, acolher as melhores ideias e construir
um futuro diferente do passado.
Reabrir a Biblioteca Municipal é um primeiro e importante passo!
A notícia de que a Secretaria Municipal de Cultura vai ser alocada na antiga Escola Maria Quitéria, ali na Praça Froes da Motta, no centro da Feira de Santana, é alvissareira. Quem transita por lá sofre com a angústia provocada pela visão do imóvel abandonado, se deteriorando.
Quem conhece a História da Princesa do Sertão sabe do triste
destino de inúmeros imóveis antigos, com valor arquitetônico e cultural. Muitos,
simplesmente, ruíram, alguns viraram estacionamento.
Com o imóvel reformado e em funcionamento, os impactos
positivos não vão se limitar à edificação em si. Vão repercutir, também, sobre
a praça, que anda vazia e malcuidada. Os jardins – por exemplo – e as árvores
estão necessitando de cuidados, inclusive a última palmeira imperial que
sobrevive no local.
Mais gente circulando pelas cercanias pode induzir a
intervenções de revitalização da praça, sem dúvida. Tudo somado, pode
representar um passo promissor para um objetivo mais amplo, que a Feira de
Santana necessita há tempos: um ambicioso projeto de resgate e revitalização do
seu centro comercial, que vem se esvaziando, ao longo dos anos.
É necessário enfatizar que o projeto Novo Centro – que
ampliou calçadas e as possibilidades de circulação de pedestres – foi um passo
importante para a humanização daquelas vias. Mas este, embora com alcance,
contemplou apenas uma dimensão. Como se sabe, há outras, indispensáveis para a
revitalização do centro.
A mais óbvia é a reocupação de inúmeros imóveis que estão
ociosos. A expansão do perímetro urbano da Feira de Santana nas últimas décadas
– com o surgimento de bairros inteiros – desconcentrou o comércio e tornou o
centro da cidade menos atraente, por conta das distâncias e das dificuldades de
mobilidade.
Enfim, os desafios são vastos para que o antigo centro
comercial – e até amplas áreas no interior do Anel de Contorno – sejam
reocupados, com uso racional. Sim, tudo é complexo, exige recursos e uma fina
articulação com os atores privados. Mas o “miolo histórico” da Feira de Santana
precisa revitalizar-se.
Destinar a antiga Escola Maria Quitéria para a Secretaria da
Cultura é promissor. Foi uma grande ideia da gestão José Ronaldo de Carvalho.
Não, ainda não se articula a um projeto mais amplo, nem é fruto de ações mais
concatenadas, pelo menos aparentemente. Mas sinaliza atenção com o destino do
patrimônio arquitetônico do município.
Não deixa, portanto, de ser um passo. Ou um tijolo na
desafiadora reconstrução do pujante centro comercial da Feira de Santana...
Quem desce dos ônibus, no Lambe-Lambe, sente logo a luz estonteante, refletida sobre as calçadas. Em volta, o colorido das bancas de frutas e verduras; o alarido de quem passa desafiando o calor. Mais à frente, só a falsa seringueira – imponente, mesmo maltratada – projeta sombra e um fio, quase imaginário, de frescor do outono.
Ninguém comenta, mas já há, ali, aquela lufa-lufa que precede
a Semana Santa e todo o ritual que envolve a peixada da Sexta-Feira Santa. No
beco, batem palmas, chamando a clientela para as lojas; entregam panfletos;
anunciam empréstimos imperdíveis para o pedestre endividado.
Um pedinte casual estende a mão, expondo a miséria que lhe
corrói o corpo. Mas a atenção já é toda da nesga de horizonte que se insinua
pela Rua Recife, resgatando a “bem-nascida entre verdes colinas”.
À sombra da fachada da Euterpe Feirense, mais um fio de
frescor, reafirmando o outono. Súbito, recordações juvenis emergem: o ponto
apinhado, na esquina; os ônibus dobrando da Conselheiro Franco – Autounida,
Transul, Oliveira Lacerda, Aymoré, Safira – e estacionando, com estrépito, para
embarcar passageiros, na calçada estreita.
Então, na descida da ladeira, antigas emoções em ebulição: as
barracas de metal e lonas, ônibus descendo desembestados, fazendo uma curva
acentuada, no último instante, raspando as barracas. “Um dia acontece uma desgraça
por aqui”, comentava-se. Mas a desgraça nunca veio e – um dia – o roteiro
mudou, sobrevivendo, hoje, só em antigas recordações.
Quando as lembranças se dispersam, não se vê mais o casario
da Rua Nova, nem as verdes colinas mais próximas; Só a fachada cinzenta da
Cidade das Compras, as ondas de calor que fazem a Praça do Tropeiro tremular. É
terça-feira, o samba da véspera não ressoa mais, por ali. O que ressoa é o
sertanejo, o brega, o forró, o arrocha, nas barracas acanhadas.
O cheiro do peixe cozido com azeite de dendê, no Centro de
Abastecimento, reforça a sensação olfativa: é Semana Santa, o povo já antecipa
as celebrações com o prato-feito da terça-feira! Muitos se espantam com os
preços do bacalhau, do camarão – mais de 100 reais, o quilo! –, que subiram
assustadoramente. “É a Semana Santa”, resmungam alguns, resignados.
Subitamente, o alto-falante anuncia que, Sexta-feira Santa e
segunda-feira, o Centro de Abastecimento permanecerá fechado. Então, o olho de
alguém brilha, recordando o feriado, prolongado, de Tiradentes, em 21 de
Abril...
Todo mundo sabe que a Feira de Santana não abriga um mercado financeiro, nem dispõe de uma Bolsa de Valores. Mas, embora fisicamente distante, esses ambientes produzem significativos efeitos sobre a economia local.
Regional, interiorana, sertaneja, a Feira de Santana, no
entanto, é globalizada. Globalizada pelo seu comércio dinâmico, em grande
medida abastecido por produtos importados, muitos deles da China distante.
Obviamente, a Princesa do Sertão não passaria incólume pelo
“tarifaço” do tresloucado Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. O
“tarifaço” sacudiu os mercados financeiros, reverberando sobre as moedas, mundo
afora. Entre elas, o dólar, moeda de curso internacional, largamente utilizada
nas transações comerciais entre países.
É o dólar a referência de preços dos produtos embarcados na
distante China e que, mais à frente, estarão nas gôndolas à disposição dos
consumidores feirenses.
Oscilações no valor do dólar – em relação ao real – aumentam
ou diminuem os preços dos produtos comprados pelos feirenses. Numa palavra,
gera inflação. Ou não, a depender da apreciação ou depreciação.
Pois bem: o tsunami econômico produzido por Donald Trump
causou intensa oscilação no valor do dólar, até aqui. Inicialmente, até caiu –
chegou a R$ 5,62 –, mas, com os desdobramentos do “tarifaço”, começou a subir,
bordejando os R$ 5,90. Vai subir até quando? Há chance de cair? Essa resposta,
infelizmente, ninguém tem.
Quem frequenta os corredores coloridos, estreitos e agitados
do Feiraguay pode, lá adiante, se deparar com preços mais elevados, em função
do tresloucado “tarifaço”. Mas não apenas por lá: os produtos made in China estão amplamente
disseminados pelo comércio feirense, sobretudo no afamado comércio de rua. Os
impactos, portanto, devem se refletir sobre boa parte dos bolsos.
Os analistas econômicos de plantão tateiam, tentando
encontrar um provável rumo ou rumos. Mas as incertezas se avolumam e, no
tabuleiro econômico, chegou o momento de todos os jogadores se posicionarem,
quase simultaneamente.
Nunca aquelas piadas sobre os erros de “previsões” dos
economistas encontraram terreno tão fértil. O fato é que o movimento
tresloucado de Donald Trump vai alcançar as praças Padre Ovídio, Presidente
Médici – onde funciona o Feiraguay – e adjacências.
Será possível sentir, no ar, a tensão provocada pelas
incertezas econômicas, que se somará ao tráfego frenético, ao ir-e-vir de
consumidores, à agitação mercantil expressa nos milhares de produtos expostos.
Obviamente, não ficará restrita àquilo lá: avançará pela
Conselheiro Franco, irradiando-se pelos becos próximos – mesmo naqueles mais
desertos – e se espraiando pela Senhor dos Passos, pela Getúlio Vargas.
Mesmo no Centro de Abastecimento – junto ao famoso Shopping
das Compras –, logo chegará esta tensão dos intensos desarranjos econômicos.
Desta vez, produzido pela decisão unilateral de alguns lunáticos.
Embora tudo esteja imprevisível, mutável, inconstante, uma certeza começa a se afirmar sobre a volatilidade do caos: o mundo, a partir daqui, não será mais o mesmo...