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Segurança

Feminicídios recentes mostram grave cenário de violência contra a mulher no Brasil

03 de Dezembro de 2025 | 20h 10
Feminicídios recentes mostram grave cenário de violência contra a mulher no Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Dois casos de violência contra a mulher, ambos registrados na cidade de São Paulo, alcançaram grande repercussão midiática, na última semana. No último sábado (29), uma mulher de 31 anos foi atropelada e arrastada, por cerca de um quilômetro, pelo ex-companheiro. As lesões foram tão brutais, que os médicos precisaram amputar as pernas da vítima. Ela segue internada, em estado grave.

Nesta segunda-feira (1º), um homem usou duas armas de fogo, ao mesmo tempo, para atentar contra a vida da ex-mulher. O crime foi cometido diante das câmeras de vigilância da pastelaria onde a vítima trabalhava. Ela levou seis tiros.

O delegado Fernando Barbosa Bossa, da Polícia Civil de São Paulo (PCSP), é o responsável pela investigação que levou o autor do atropelamento à prisão. Ele classificou a ocorrência como tentativa de feminicídio, sem possibilidade de defesa da vítima e com requintes de crueldade.

Para a advogada Luciane Mezarobba, que atua em Curitiba e, atualmente, atende, exclusivamente, mulheres, “a luta pela dignidade das mulheres e igualdade de gênero passa pela criação de uma cultura jurídica emancipatória e de reconhecimento de direitos de todas as mulheres e meninas”.

Para ela, é preciso atacar o problema em duas frentes: nas políticas públicas e na cena privada. “O maior exemplo vem do poder público, em primeiro lugar, pelo reconhecimento da existência de desigualdades estruturais e profundas entre os gêneros, passando pela construção coletiva de políticas públicas que ataquem estas desigualdades, de políticas afirmativas e antidiscriminatórias da posição da mulher na sociedade”, observa.

Entre as políticas que acolhem demandas básicas que acabam recaindo sobre as mulheres, a jurista citou a construção de creches e escolas em período integral, que possibilitem às mulheres trabalhar enquanto seus filhos estão seguros. “No âmbito do Poder Judiciário, a implementação, pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça], do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero tem se mostrado ferramenta valiosa para os operadores do Direito, preocupados com a superação dessa trágica realidade”, lembrou.

O objetivo do protocolo, diz ela, em entrevista à Agência Brasil, é orientar o Judiciário a considerar o papel das desigualdades estruturais nos julgamentos de conflitos que envolvam mulheres.

Luciane Mezarobba salienta que o problema não é a ausência de leis sobre a questão. O crime de feminicídio, por exemplo, tem pena de 20 a 40 anos de reclusão. No entanto, aponta a jurista, nem mesmo a possibilidade de permanecerem 40 anos encarcerado vem inibindo os homens de assassinar suas companheiras, parceiras e namoradas.

Ela acredita que o Estado precisa viabilizar a justa punição aos homens agressores de mulheres. E diz que isto “passa pelo enfrentamento às redes de ódio e misoginia que pululam nas redes sociais, não raro sob o discurso de ‘liberdade de expressão’ e sob anonimato”.

No seu entendimento, a situação precisa ser encarada, enfrentada e punida com o rigor da lei. Mas o machismo e a misoginia também precisam ser combatidos na esfera privada. Para tanto, a advogada aponta a importância da educação emancipatória e não machista. “Uma educação que não perpetue os estereótipos de gênero, de divisão sexual das tarefas domésticas, construindo espaços de igualdade de direitos e deveres entre os filhos, a mãe e o pai”, observou.

Ela acrescenta que “mensagens profundas que nos são incutidas desde a infância, de que o espaço privado, do lar, é para as mulheres, e os espaços públicos e de poder são para os homens, devem, sim, ser combatidas no seio das famílias”.

Histórico de desigualdade – Também em entrvista à Agência Brasil, a psicóloga e pesquisadora Maisa Guimarães, da Universidade de Brasília (Unb), explica que, historicamente, a desigualdade entre homens e mulheres foi validada, social e formalmente, pelas legislações e pelas instituições.

Isto, diz ela, se reflete, ainda hoje, em uma cultura de muito privilégio concedido aos homens e de muitas opressões sobre as mulheres. “Quando a gente fala dessa desigualdade de poder, não é só na dimensão da cultura, de como as pessoas se relacionam por um senso comum. A gente também está falando de uma cultura institucional, uma história política, legislativa, que, por séculos, no Brasil, concedeu direitos a homens e negou direitos às mulheres”, destaca.

A pesquisadora lembra, ainda, que a ideia da igualdade de poder e direitos iguais entre homens e mulheres é uma postura política muito recente na história do país. “Só a partir do Estatuto da Mulher Casada, que é do final da década de 60, que se entendeu que uma mulher casada era civilmente capaz de exercer direitos básicos, como escolher o trabalho”, menciona.

No Brasil, o atual cenário de violência contra a mulher remonta, ainda, a uma tradição patriarcal, que impõe hierarquias estruturais, mantendo as mulheres em uma situação de subordinação aos homens, conforme apontou Luciane Mezarobba. Além disso, quando o agressor é alguém próximo, as pessoas no entorno, e a própria vítima, ignoram os riscos.

Mezarobba explica que existem diversas formas de violência doméstica e familiar, e quase nunca o agressor começa pela mais gravosa. Ela aponta que a Lei Maria da Penha indica as seguintes formas de agressão: a violência física; a violência psicológica; a violência sexual; a violência patrimonial; e a violência moral. “As agressões tendem a escalar, a partir da certeza da impunidade e da visão, infelizmente ainda socialmente aceita, de que ‘em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’ ou de que o homem tem poderes conferidos pelo patriarcado sobre o corpo e a vida da mulher”, disse.

Recorde de feminicídio em SP – Dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) revelam que, entre janeiro e outubro de 2025, foram registrados 53 casos de feminicídio, somente na capital paulista. Este é o maior índice anual desde 2018 (início da série histórica), mesmo sem contabilizar, ainda, os dados de novembro e dezembro.

Desde o último mês de janeiro, 207 mulheres foram mortas em todo o estado de São Paulo, vítimas de feminicídio. Apenas em outubro, foram 22 vítimas desse tipo de crime. Além disso, outras 5.838 mulheres sofreram lesão corporal dolosa.

Feminicídio é o homicídio de uma mulher cometido em razão do seu gênero, caracterizado por violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação contra a condição feminina. Esse tipo de crime considerado a expressão máxima da violência de gênero e ocorre, frequentemente, como desfecho de um histórico de agressões, podendo ser motivado por ódio, inferiorização ou sentimento de posse sobre a vítima. No Brasil, é classificado como hediondo e, quando tipificado como qualificador do homicídio, a pena é de reclusão de 12 a 30 anos.

Em relação aos dados sobre feminicídio, a pesquisadora Maisa Guimarães avalia que, hoje, há um esforço político para minimizar a subnotificação dos casos e para a aplicação de protocolos de investigação sobre mortes violentas de mulheres, considerando o feminicídio como a primeira opção a ser investigada. “Essas políticas públicas proporcionam maior visualização e visibilização da problemática, que antes existia, mas era subnotificada”, frisou.

Maisa Guimarães chamou a atenção, ainda, para o fato de que um aumento dos casos de agressão e dos feminicídios também reflete um agravamento das violências que as mulheres têm sofrido. Um dos fatores é a forma como os homens têm resistido e recusado a ampliação dos direitos das mulheres, como, por exemplo, o direito de escolher com quem elas querem se relacionar.

A especialista observa que não se trata, apenas, do fato de o homem agressor não aceitar se separar. Segundo ela, este homem também não admite que a mulher tenha decisão sobre sua própria vida. “É uma recusa à alteridade, ao direito das mulheres fazerem escolhas e viverem a própria vida como elas gostariam. É uma recusa masculina de sair desse lugar de exigência e de dominação sobre o que acham que as mulheres deveriam fazer, desejar, escolher”, declarou.

 

 



 

 

*Com informações da Agência Brasil.



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