Antigamente o 4 de dezembro marcava o início do ciclo de festas populares da Bahia. Nesta data celebra-se Santa Bárbara no catolicismo, e Iansã, no Candomblé, no singular sincretismo só visível na outrora chamada Boa Terra. Até fevereiro, grandes manifestações religiosas se sucediam, destacando a Bahia por sua religiosidade: Nossa Senhora da Conceição da Praia logo a 8 de dezembro, Bom Jesus dos Navegantes no primeiro dia do ano, Lavagem do Bonfim na segunda quinta-feira de janeiro, Iemanjá em 2 de fevereiro.
As demonstrações de fé, na Bahia, sempre se misturaram à profana celebração da vida com o Carnaval, com as gigantescas festas de largo que compartilham datas e espaços com as próprias festas religiosas. Devoção e diversão não eram antônimas às margens da Baía de Todos os Santos, que irradiava uma cultura quente, pulsante, plena de vida e de fé.
Pela antiga tevê Itapoan acompanhava, magnetizado, as longas transmissões destas festas em Salvador. Isso nos anos 1980, quando as emissoras disputavam o posto de quem tinha mais a cara da Bahia. Cidade Baixa, Ribeira, Bonfim, Avenidas Sete e Carlos Gomes, Campo Grande e Praça Castro Alves iam se tornando familiares a quem acompanhava o profano Carnaval e os sagrados ritos católicos.
Naquela época, a atmosfera era densa da energia de ser baiano. “Ser baiano é estado de espírito”, dizia-se, antes da expressão ser apropriada por interesses mercantis e políticos. Mas tudo foi mudando aqui e alhures, as vivas culturas locais atrofiaram-se, absorvidas pelos padrões homogêneos da produção e do consumo. Mas aqui já vai filosofia demais.
A volta grande no texto foi para saudar o 4 de Dezembro aqui na Feira de Santana e sua principal celebração: o caruru que é ofertado no Centro de Abastecimento, celebrando Santa Bárbara mas também Iansã. Vejo o anúncio da distribuição de três mil pratos de caruru, além do samba-de-roda, indispensável na manifestação religiosa.
É uma longa tradição que – ainda bem – se mantém por aqui. Principalmente nestes tempos de cisões, cizânias, intolerâncias, divisões políticas, religiosas, geográficas. Afinal, celebrar Santa Bárbara e Iansã é manter viva uma Bahia que, noutros tempos, orgulhava-se do seu sincretismo religioso.