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Saúde

Aprendizagem crítica, tolerância e flexibilidade são cruciais na formação de um médico, segundo a professora Valéria Vernaschi

Da Redação - 27 de Novembro de 2018 | 10h 28
Aprendizagem crítica, tolerância e flexibilidade são cruciais na formação de um médico, segundo a professora Valéria Vernaschi
Foto: Ricardo Benichio/Reprodução

Com vasta experiência na área de Educação de Profissionais de Saúde Médica, a professora doutora Valéria Vernaschi Lima, do Departamento de Medicina e Mestrado em Gestão da Clínica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ministrará uma série de conferências, rodas de conversa e oficinas durante a Semana Pedagógica do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), que está sendo realizada no campus da instituição e se estenderá até a próxima quinta-feira (29).

Dentro da temática do evento, que esse ano discute o Projeto Pedagógico do curso, a docente convidada abordará temas ligados às Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem, destacando seus principais desafios e possibilidades; ao Aprendizado Baseado em Problemas (PBL), método utilizado, pela Uefs, na formação dos futuros médicos; à Gestão Curricular e seus desafios e oportunidades de melhorias; ao Currículo Orientado por Competência; aos desafios do Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, contextualizando os aspectos educacionais e político-sociais da Instituição de Ensino Superior (IEL) e do município (SUS); à Avaliação estudantil e de Programas de Saúde e de Educação; e à Gestão da Clínica e Educação permanente de profissionais de saúde.

Em entrevista ao jornal Tribuna Feirense, a professora Valéria Vernaschi falou sobre os desafios da Educação Médica; sobre a necessidade de adoção de uma aprendizagem contextualizada, que articule teoria e prática e que valorize a responsabilidade social no perfil de competência profissional; sobre a dual relação entre ferramentas tecnológicas e ensino; sobre a necessidade de se trabalhar de maneira simulada em situações reais da vivência médica; e sobre o papel da aprendizagem crítica, baseada também na tolerância e na abertura ao novo, na formação de um profissional amplamente qualificado para o exercício da Medicina.

 

A educação médica tem passado por uma revolução em seus modelos de ensino. Qual o cenário atual?

Convivemos com projetos de primeira, segunda e terceira gerações. Os projetos da primeira geração são do início de século XX, construídos a partir do Relatório Flexner. Da primeira geração, permanecem: a abordagem científica, a metodologia da transmissão, a separação entre ciclos básico e clínico e a centralidade do cuidado na atenção médica e no cenário hospitalar. A segunda geração, iniciada na segunda metade do século XX e ainda em desenvolvimento, introduziu inovações metodológicas no processo ensino-aprendizagem e no desenvolvimento curricular. Como principais inovações, podemos citar as metodologias ativas e a articulação de disciplinas. A terceira geração volta-se ao mundo do trabalho e à aprendizagem contextualizada, no sentido de um currículo que articule teoria e prática e que esteja orientado às necessidades de saúde das pessoas e comunidades, valorizando a responsabilidade social no perfil de competência profissional.

 

A utilização de métodos ativos de ensino-aprendizagem apresenta reais vantagens de aquisição de conhecimentos, habilidades e competências?

Há estudos baseados em meta-análises (modelo de estudo científico que reúne dados de vários estudos) que mostram haver uma melhor aprendizagem de habilidades e atitudes de modo articulado ao domínio cognitivo (pensamento). O desenvolvimento dessas capacidades é estatisticamente melhor em iniciativas que utilizam metodologias ativas. Igualmente, a aprendizagem significativa pode ser uma importante vantagem nesse tipo de abordagem educacional, caso os conteúdos explorados estejam contextualizados, isto é, apresentados a partir de problemas e desafios reais da prática profissional. Aqui, um aspecto a ser destacado é a possibilidade de aplicar os saberes e práticas trabalhados de maneira simulada em situações reais do trabalho em saúde. Quanto maior e mais oportuna essa articulação, maior a potencialidade de aprendizagem e retenção de conhecimentos.

 

Como inserir a tecnologia dentro do ensino médico sem torná-la excessiva?

Considero excessivo quando os meios se sobrepõem aos fins. O objetivo deve ser a construção de competência. Dispositivos e ferramentas tecnológicas precisam ser trabalhadas para favorecerem a aprendizagem, e não para se tornarem o foco do ensino.

 

Quais as vantagens de um currículo orientado por competências?

Quando o perfil de competência é definido a partir do mundo real do trabalho, são reveladas as áreas de competência que conformam um campo de atuação profissional. Essas áreas são representadas por ações que expressam processos tanto do núcleo quanto do campo profissional. Como núcleo, entendemos as ações específicas de uma profissão. Como campo, aquelas que são desenvolvidas por equipes formadas por outros profissionais. Um perfil assim construído permite trabalharmos com as ações que todos os profissionais deveriam saber realizar, segundo critérios de excelência e adequada fundamentação científica. Essas ações integram conhecimentos, habilidades e atitudes de modo contextualizado, uma vez que devem estar articuladas a situações da prática. Os perfis favorecem a seleção e a avaliação de conteúdos relevantes para uma prática de excelência e socialmente comprometida.

 

Como manter o idealismo entre estudantes, já que há artigos que mostram essa redução de forma progressiva?

Esse é um importante compromisso da escola e dos docentes. Somente um currículo que permite reflexão e interação, com acompanhamento próximo e solidário dos estudantes, é capaz de favorecer o aparecimento de dúvidas, o entendimento das dificuldades e, se possível, a superação delas. As profissões da área de saúde requerem permanente dedicação dos estudantes e profissionais, uma vez que o contato com o sofrimento humano é muito mobilizador e a ciência renova diariamente aquilo que chamamos de melhores práticas. Cada estudante reage de um modo singular às demandas profissionais. E se esse modo for vivenciado em ambiente pouco democrático ou solidário, os estudantes acabam construindo mecanismos de defesa, que resultam em afastamento e naturalização da dor e do sofrimento humanos. Proteger-se, em detrimento do cuidar das pessoas, torna-se, assim, a única saída quando a escola deixa os estudantes entregues à própria sorte.

 

Como vê a expansão de faculdades de Medicina, no Brasil?

Vejo como um movimento para o qual a sociedade deve cobrar mecanismos de regulação socialmente pactuados. A atuação de setores governamentais deve ser, preponderantemente, voltada ao controle de qualidade de processos e produtos. Isso envolve avaliar, de modo permanente, escolas, docentes e estudantes, além de promover termos de ajustes, no sentido de se garantir à sociedade a entrega de um cuidado de excelência à saúde das pessoas e populações.

 

Como adequar o conteúdo científico crescente ao currículo sem causar Bournout (exaustão por excesso de trabalho ou conteúdo), nos alunos?

O processo de geração de saberes é importante. Como profissionais na ativa, nunca mais iremos parar de estudar e aprender. A abertura para o novo, a tolerância para o diferente e a aprendizagem crítica são nossos passaportes para o mundo, na pós-modernidade. Sem um perfil de competência e uma seleção de conteúdos segundo esse perfil, poderemos cair na antiga tentação de querer “esgotar” os conhecimentos para a graduação. Essa ilusão já foi demonstrada: seriam necessários 17 anos para formar um médico, caso todos os conteúdos considerados “necessários” fossem transmitidos por meio de aulas. Então, ao trabalharmos com perfis de competência e identificarmos as situações relevantes e prevalentes para a formação, garantimos o estudo e a vivência dessas situações e instrumentalizamos os futuros profissionais a aprenderem a aprender, no cotidiano do trabalho em saúde.



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