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Saúde

Depressão na infância e adolescência: problema requer atenção de pais e professores

Lana Mattos - 17 de Fevereiro de 2020 | 16h 22
Depressão na infância e adolescência: problema requer atenção de pais e professores
Foto: Assessoria de Gabinete do NTE-19

Quando LCS, de 14 anos, passou a se isolar no quarto, a se afastar dos amigos e a não mais querer sair, sua mãe, coordenadora pedagógica que prefere se identificar apenas como “mãe dedicada”, percebeu que havia algum problema. A adolescente conta que não tinha vontade de fazer as coisas das quais gostava e que tinha crises recorrentes e pensamentos suicidas. E, ao ler o caderninho onde a filha sempre escreve quando está triste, a mãe da garota decidiu procurar ajuda profissional. A jovem foi diagnosticada com depressão, doença que acomete um número cada vez maior de crianças e adolescentes, em todo o mundo. 

É importante que pais e professores estejam sempre atentos. “Qualquer mudança de comportamento, especialmente as que se mantêm, devem ser investigadas, através de conversas com as crianças e adolescentes. Quando se sentem seguros e apoiados, é mais fácil que contem o que os aflige”, alerta Camille Batista, médica psiquiatra.

A profissional observa ainda que, nessa fase, a depressão pode se manifestar com mais agressividade, queda no rendimento escolar, irritabilidade, anedonia (perda do prazer), isolamento social, pessimismo, tristeza, insônia ou hipersonia (distúrbio do sono caracterizado por sonolência excessiva), queda ou aumento do apetite, autoagressões, pouca energia, desânimo e sintomas mais graves, como pensamentos negativos e até tentativas de suicídio.

Os fatores que geram depressão podem ser relacionados à predisposição genética e/ou a estressores ambientais, como bullying (uso de força física, ameaça ou coerção para abusar, intimidar ou dominar agressivamente outras pessoas, de forma frequente e habitual); negligência no cuidado; violência psíquica, física ou sexual; dentre outros. “Já sabemos que o ambiente é capaz de mudar a expressão gênica e, com isso, pessoas que não têm forte predisposição genética podem, sim, manifestar o quadro depressivo”, esclarece Camille Batista, que é especialista em psiquiatria da infância e adolescência.

O bullying sofrido por LCS,quando criança, é uma das causas da depressão que a menina adquiriu: “Quando era menor, sofri, por um curto período de tempo, por ser magrinha”, lembra a adolescente.

Para Camille Batista, essa prática, “que acontece nas escolas ou se inicia nela e migra para as redes sociais, tem contribuído bastante para a abertura dos quadros depressivos, nessa faixa etária”.

Para a mãe de LCS,a maior dificuldade de lidar com o problema foi a insegurança de ter que deixá-la sozinha e, nesse intervalo de tempo, acontecer um suicídio. “No início, não conseguia dormir nem trabalhar direito”, desabafa.

Os jovens que pensam em tirar a própria vida, geralmente, dão sinais. “Eles se manifestam muito nas redes sociais. São atraídos por temas fúnebres, comentam com amigos os pensamentos suicidas e podem apresentar marcas de automutilação, como o cutting (ato de se cortar, em diversas partes do corpo)”, enumera a psiquiatra.

Em função disso, ela alerta que os pais precisam estar atentos aos pequenos sinais e sempre tentar conversar sobre os sentimentos e aflições dos filhos. “Construir uma relação de segurança e confiança entre pais e filhos é uma proteção contra sintomas graves como esses”, enfatiza Camille Batista.

A médica ressalta que os pais devem se colocar, sempre, à disposição para ouvir e orientar os filhos. Além disso, diz que ajuda especializada, psicológica e psiquiátrica também são fundamentais.

Verônica Moitinho, psicólogado Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi) Osvaldo Brasileiro Franco, em Feira de Santana,ressalta a importância da família na terapia. “O atendimento também deve se estender à família, a fim de que seja possível conhecer um pouco da rotina da mesma e do paciente. Também para realizar a psicoeducação familiar”, destaca.

Conforme Camille Batista, nos casos moderados a graves, geralmente, medicações são indicadas, visando melhorar a neuroquímica e, consequentemente, os sintomas que geram prejuízos e sofrimento aos pacientes. “O quadro é considerado grave a depender da intensidade dos sintomas e dos riscos à integridade da criança ou adolescente”, completa a psiquiatra.

Sobre os riscos do uso de antidepressivos com tão pouca idade, ela esclarece que “já existem medicações seguras e amplamente utilizadas nessa faixa etária, que ajudam a reverter os quadros depressivos e a trazer qualidade de vida a essa população”.

A adolescente LCS faz uso desse tipo de medicação, devidamente receitado por um psiquiatra, além de acompanhamento com psicólogo, há cerca de cinco meses. Com a terapia, “comecei a aceitar o meu corpo”, conta a jovem, que declara que, hoje, tanto o ambiente familiar quanto o escolar a ajudam e fazem bem a ela.

Apesar do transtorno, a mãe da garota costuma tratá-lacomo uma adolescente normal: “Cobro tudo, mas sempre a elogiando”. No entanto, diz que nunca deixa a filha sozinha. “À noite, sempre observo seu sono, para ver se está tranquilo. Estou confiante, orando muito e, com fé em Deus, tudo ficará bem”, almeja.

Mesmo sendo um transtorno psíquico, a depressão pode ser, também, considerada uma doença física. “Já sabemos que há disfunção cerebral, nos neurotransmissores, especialmente no circuito serotoninérgico. É um quadro que sofre influência de estressores ambientais, mas há, sim, uma base orgânica”, detalha a médica Camille Batista.

A psicóloga Verônica Moitinho acrescenta que a depressão “é uma doença psicológica que, em sua grande maioria, culmina em consequências físicas, ou seja, psicossomáticas”.

DEPRESSÃO E ESCOLA PÚBLICA - Ao ser questionado sobre como o tema é tratado na Rede Pública Estadual, o diretor do Núcleo Territorial de Educação (NTE 19), antiga Direc 02, Ivamberg dos Santos Lima, afirmou, por meio de nota, que a “Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) tem promovido diversas atividades pedagógicas, nas escolas estaduais, relacionadas aos cuidados com a saúde mental e à prevenção ao suicídio, em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab)”. Informou ainda que, além disso, o órgão realiza “ações, por meio do programa Saúde do Professor, com o objetivo de promover uma maior compreensão e conscientização sobre o problema”.

Segundo o secretário Municipal de Educação, Marcelo José Almeida das Neves, as questões socioemocionais dos estudantes da rede são sempre debatidas nas formações e serão tema da Jornada Pedagógica deste ano, que vai acontecer entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro. Ele salienta que a Secretaria Municipal deEducação (Seduc)dispõe de uma equipe multidisciplinar, formada por duas psicopedagogas, duas assistentes sociais e uma psicóloga.

Conforme Marcelo Neves, quando um estudante apresenta algum comportamento diferente, “quem identifica o problema, inicialmente, é o professor, o pedagogo”, sendo que “a primeira orientação é chamar a família e conversar”. A partir disso, a escola encaminha o jovem para acompanhamento em uma unidade do Caps ou do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). “Às vezes, há a necessidade de uma intervenção maior. Em casos assim, a Secretaria de Educação vai com essa equipe”, explica o secretário.

DADOS - Os números apontam um problema de saúde pública mundial. O índice de crianças de 6 a 12 anos diagnosticadas com depressão, em todo o mundo, quase dobrou, na última década, passando de 4,5% para 8%, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Não há dados exclusivos sobre a doença, nessa faixa etária, no Brasil. Embora o transtorno seja, comumente, diagnosticado na vida adulta, estudos mostram que, aproximadamente, 50% dos adultos deprimidos relataram início dos sintomas antes dos 18 anos.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é a segunda maior causa de morte, no mundo. No Brasil, está em quarto lugar, na mesma faixa etária. Os dados são referentes a 2017 e também foram apresentados pela OMS. Na realidade, esses números são maiores, por conta da subnotificação: para cada registro oficial, estima-se quatro tentativas não registradas. As tentativas são cerca de 20 vezes mais frequentes que a consumação do ato.

Em 2019, 47 novos casos de depressão, entre jovens de 12 a 17 anos, foram diagnosticados no Capsi de Feira de Santana, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, não há dados sobre a prevalência da doença, na cidade.

AJUDA - Alémde ligar para o número 188, do Centro de Valorização da Vida (CVV), a qualquer hora e em todo o território nacional, com pessoas capacitadas para ouvir o indivíduo em sofrimento psíquico, quem preferir, pode entrar em contato, via chat, Skype ou e-mail, através do site do www.cvv.org.br.



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